O Toiro de lide

 

O touro bravo é um bovino dotado de extenso sentido de territorialidade, portanto de muita agressividade. A sua distância de reacção crítica é muito longa, ou seja, arranca-se de bem longe contra qualquer presumível intruso que em geral é totalmente destruído. Sendo herbívoro, é dos rasíssimos animais que atacam outro animal sem ser para o comer.

Ficou confirmado nos séculos XVIII e XIX, quando estiveram em voga combates entre touros e outras feras, designadamente leões, tigres e elefantes, que o touro saiu sempre vencedor. Não só porque os seus ataques são extremamente rápidos em relação à corpulência, mas também porque este é dotado de poderosíssimas armas terrivelmente perfurantes servidas por uma força descomunal.

 

Qualquer espectador taurino deve interrogar-se pela identidade do touro de lide. Sem touro não pode haver festa. Tanto a sua estampa física como em especial a sua investida não se alcançam por geração espontânea.

Por trás de cada touro há uma larga história, muito empenho intelectual, bastante trabalho de campo e um essencial investimento financeiro. Há que respeitar o touro bravo, até porque foi o homem quem sonhou aperfeiçoar uma das espécies mais exclusivas e maravilhosas da natureza, até converte-la no que conhecemos hoje, como touro de lide. A bravura não substancial do touro nas suas origens, é um invento cultural do ser humano a quem se deve admiração.

Desde o “bos tauros celticus” ou o “bos primigenius” representados em pinturas rupestres até aos dias de hoje, o Touro bravo sofreu diversas modificações morfológicas, acabando por se instalar na península ibérica.

Até ao touro actual, há um enorme percurso que passa pela caça primitiva, jogos ancestrais de carácter religioso, antigas festas taurinas populares, encerros, corridas de touros aristocráticas e finalmente, pela lide do touro ordeira e profissional que actualmente contemplamos em praças de touros.

 

O touro sempre foi um animal de fácil excitação e irritação que, a pouco e pouco, foi seleccionado mediante cruzamentos para que a mistura da sua agressividade com a sua força se transformasse em bravura.

A essas transformações somaram-se a procura pelo comportamento, bem como ao aspecto físico, procurando-se um aspecto mais proporcional e mais fino á medida que o tempo decorre.

Quando estas evoluções começaram a ser controladas pelo homem (séc. XVII), surgiram  as primeiras ganadarias bravas. Espaços em campo aberto, onde os touros vivem e se reproduzem de forma livre e controla, de modo a que não percam o seu habitat natural.

 

A posse de uma ganadaria era e ainda é um luxo reservado aos grandes senhores rurais que evoluiu a pouco e pouco, de uma arte de criar touros para uma indústria produtiva organizada, permitindo ainda o aproveitamento generalizado das zonas menos férteis e com menor valor alimentar devido á rusticidade da espécie.  

Ao longo dos tempos, cada animal foi sendo seleccionado, numerado, alimentado e cuidado convenientemente até chegar ao momento para que foi criado: a Lide.

Precisamente por isso, e desde que as corridas de touros se converteram num espectáculo ordenado, o principal método que os ganaderos utilizam para seleccionar a bravura é lidar a título experimental as possíveis progenitoras mediante uma série de provas semelhantes a uma corrida de touros, que se realizam em praças privadas “tentaderos”, normalmente situados na própria ganadaria. Aqui se elegem os melhores exemplares (fêmeas e machos) destinados a procriar futuros touros de lide, com um mínimo de garantias.

 

A cada ano que passa, nasce em cada ganadaria um conjunto de bezerros bravos designados de “camada”. No decorrer do longo crescimento desde grupo de futuros touros de lide, o ganadero vai elegendo as corridas por grupos de seis a oito touros, que quando atingirem a maioridade (4 anos) serão lidados.

No entanto o requisito da bravura potencial não basta. O aspecto físico do touro de lide assume um papel preponderante, enquanto actor principal num espectáculo onde a emoção deve imperar.

Dentro do seu tipo zootécnico comum, há diversas procedências que se distinguem entre si pelas suas formas físicas, maior ou menor córnea óssea, diferentes pesos que devem ser proporcionais com o seu esqueleto até ás diversas pelagens. A cada "casta" corresponde uma tipologia específica ou “encaste”.

Contrariar este equilíbrio é contrariar a natureza.

 

 

Trapío e bravura

 

 

Diz-se que um touro tem trapío quando a sua presença causa respeito, independentemente do seu tamanho. No entanto o trapio não é uma condição exacta nem medível. Cada ganadaria tem o seu trapio, de forma a que um touro alto, grande e pesado pode não ter não ter trapio, enquanto que, outro, baixo e com poucos kilos, pode apresentar imenso trapio.

 

O touro com trapío deve ter também boa planta, isto é, ter o peso ideal à sua constituição, carnes ajustadas e musculadas, próprias de um atleta, pelo brilhante, limpo, fino e bem sentado; morrilho grosso, patas finas unhas redondas e pequenas, córnea bem formada, rabo largo e espesso e olhos negros, vivos e sem defeitos.

 

Quanto á bravura, esta está relacionada com a capacidade de lutar. Mas é muito mais do que isso, porque o conceito de bravura foi-se alterando com os tempos em função dos gostos que o público impôs, à medida que o toureio foi evoluindo e se ia praticando com maior perfeição.

No princípio, a bravura baseou-se no instinto de defesa provocada pela cólera do touro no momento de ser provocado. Há quem defenda este fenómeno com medo ou cobardia do touro perante o desconhecido. Outros dizem que a bravura é uma misteriosa e natural valentia do touro, que ataca de forma voluntariosa e impulsiva quem se mover.

Desde logo, uma das características da bravura é crescer perante o castigo em vez de sucumbir e urrar acobardado como qualquer outro animal, Daí que os touros que renunciam ao castigo sejam chamados de “mansos”. No caso concreto da Capeia Arraiana, pode-se equiparar o confronto entre Forcão - Toiro com a ralação na corrida de toiros espanhola entre Picador - Toiro.

 

O touro bravo, tal como o conhecemos agora na sua melhor versão, para além de investir com força, apresenta uma outra qualidade própria da sua raça: a nobreza

O touro verdadeiramente bravo (e puro), antes de investir, avisa. Jamais ataca à traição, colocando-se em linha recta perante o adversário, fixando-o de olhos e de orelhas de forma estática, de cabeça levantada, ás vezes recua ou avança leves passos antes de arrancar a sua investida. Idealmente deve investir com prontidão, com nobreza, seguindo com firmeza o objecto que persegue para alcança-lo com a sua córnea. E sem se cansar, mesmo que nunca chegue a alcançar o seu inimigo.

Para resumir todo isto, nada melhor que repetir as emocionadas palavras de um grande conhecedor do toro bravo, Joaquim lopéz del Ramo, no inicio do seu magnífico livro "Por las rutas del toro":

 

“Entre todas las criaturas del reino animal no hay ninguna que reúna caracteres tan bellos y a la par misteriosos como el toro bravo. Algunos son agresivos y fieros, otros tienen el encanto de la nobleza y la fidelidad, unos atraen por su fuerza, por la armonía de su estampa o su pelaje, y también los hay majestuosos y altivos. Solo el toro de lidia es al mismo tiempo poderoso, arrogante y armónico, bondadoso y agresivo; algo así como un guerrero que lleva escrito en sus genes el mensaje de la bravura y tiene una crianza lujosa hasta su madurez, justo ek momento en que debe morir. El epílogo violento que cierra su vida, posiblemente no tenga sentido para algunos, los que dicen amar  los animales. Sí lo tiene para los que intentamos conocerlo de cerca y consideramos que la suya es la muerte del héroe, del que tiene la oportunidad – que no se da en ningún otro animal sostenido por el hombre, por su bravura… La palabra mágica, el enigma más profundo del toro. Porqué uno embistió codicioso y otro, hermano suyo de padre u madre fue manso y reservón? Como hubiera embestido un mismo astado de haberse lidiado por torero, plaza, día y hora diferentes a los que el destino le asignó? Las preguntas de este tipo se encadenan sin respuesta fija ni posible. De ahí, de lo desconocido, arranca la seducción, la admiración por este animal y por el hombre que es capaz de ponerse delante de él para destapar primero el misterio, apostando su vida en el embite”

 

Ferros das Ganadarias portuguesas:

https://toureio3.no.sapo.pt/ganadarias.htm