O Forcão

 

 

Iniciada a Capeia, há que pegar ao forcão.

 

Os rapazes da aldeia escolhem o seu sítio no forcão que normalmente é fixo, isto é, cada um tem o seu posto e não é muito comum variar de posição. Os mais baixos ocupam os espaços dianteiros, os mais altos os lugares traseiros. Os do meio (interior do forcão) suportam o peso da estrutura e os das galhas (extremidades dianteiras) conduzem o forcão, seguindo as directrizes que normalmente são "gritadas" pelo rabicheiro.

 

Preparado o forcão para a lide, este é encaminhado para o centro da praça, com as galhas apontadas para os curros, de forma a receber frontalmente a investida do toiro, que aguarda o encontro com o desconhecido, ouvindo apenas o burburinho de vozes estranhas e que tanto contrasta com a tranquilidade do seu habitat natural.

Enquanto a porta dos curros não se abre, homem e touro comportam algo em si, que para o primeiro é adrenalina pura que corre nas veias e para o segundo é aquilo a que os entendidos designam por stress animal.

Do touro espera-se que seja fiel á sua raça e que ostente um comportamento bravo e nobre perante o sentimento humano de um ano de espera pela capeia da sua aldeia.

Ao sair á praça de cabeça levantada, o toiro normalmente avança feroz, investindo contra as galhas do forcão, numa voluntariosa investida, sentindo no chanfro e na córnea o peso e a dureza do seu inimigo, que ali se apresenta para competir, por uma contenda territorial, pois é nessa condição que homem e touro se descobrem, fazendo reviver a defesa da raia portuguesa dos touros que tresmalhavam em busca de melhores prados e pastagens.

Após o primeiro embate, o touro emprega toda a sua força contra uma das galhas, numa tentativa de submeter o seu adversário, forçando o rabicheiro a sentir a necessidade de girar o forcão, numa tentativa de amortecer a investida.

Geralmente os rapazes movimentam-se com um passo acertado, de forma a não tropeçarem uns nos outros, convertendo-se a dupla forcão/rapazes numa só peça, intacta e harmoniosa. Há ainda pegadores que conservam o precioso silêncio quando pegam ao forcão, manifestando um gracioso clamor de exclamação de intensidade proporcional a cada arremetida do touro.

Durante a lide, o toiro vai medindo o potencial do seu adversário, doseando a intensidade da sua bravura, dando a entender ao forcão até quando é que está disposto a lutar. Do lado do forcão, os pegadores tentam não mostrar cansasso ao touro e quando realmente sentem que a bravura do touro é inferior á sua disponibilidade, é altura de recolher o forcão, num misto de retirada vitoriosa pela forma como o forcão se comportou e de alegria pela pujança como o touro se debateu.

 

No entanto, como a capeia arraiana é uma lide de igual para igual, a glória nem sempre recai sobre a facção do forcão.

Por vezes, logo no início da lide, quando o touro sai enérgico e cheio de força e o forcão apresenta desleixadamente uma ou as duas galhas demasiado elevadas, permite-se que o toiro penetre por baixo de uma das galhas, ficando automaticamente em larga vantagem sobre o forcão, pois apoderou-se de um dos pontos fracos da estrutura de madeira. Ora, se a força do animal supera o peso exercido pelos rapazes que se encontram na parte dianteira, facilmente o touro alcança os primeiros rapazes, causando pânico no interior do forcão e posterior fuga, ficando o forcão caído no meio da praça, para infortúnio da aldeia.

Outras ocasiões adversas acontecem quando o forcão recua com uma velocidade superior à investida mansa de touro. Tal acontece quando o animal em movimento, apenas se limita a encostar a cabeça a uma das galhas. Aqui há que travar o forcão em vez de recuar, pois o toiro ao ver que o local onde investe é enganador porque se lhe está a escapar, desinteressa-se da galha e acelera o passo na tentativa passar ao lado do forcão, conseguindo por vezes colocar a cabeça atrás da galha e percebendo de imediato onde se encontra realmente a perna do adversário. Nalguns casos, quando coincidem um toiro ligeiro e um forcão pesado, pode suceder que o touro passe a linha de defesa do forcão, representada concretamente pelo tronco de pinho, expondo-se num dos lados deste, investindo facilmente contra os rapazes que estiverem ao seu alcance. Neste caso, pouco há a fazer, apenas agilizar uma fuga rápida para um salva-vidas na ânsia de não ser colhido pelo touro.

Mais raro mas não menos perigoso é o touro saltar para o interior do forcão. Neste ultimo caso pode-se depreender que o touro não é verdadeiramente bravo, pois não humilhou de forma nobre, transpondo a parte dianteira do forcão com um “salto de cabra” como se de uma cancela se tratasse. Aqui os danos ficam a cargo do imaginário de cada um.

 

Não muito longe vão os tempos em que os toiros não eram embolados. A lide era efectuada em "astes limpas” sem qualquer afeitamento prévio. O grau de perigosidade como é de supor era bastante superior, até porque as condições como os feridos eram socorridos não eram as melhores (tal como hoje), principalmente quando estes eram alvo de colhidas graves.

 

 

Corte e construção do Forcão

 

Anualmente, cada aldeia reúne um grupo de pessoas (mordomos ou organização anual) de forma a cortar as galhas para o forcão. As galhas são troncos e pernadas de carvalho, que depois de secas, descascadas, emparelhadas e devidamente unidas, compõem a estrutura do forcão. O corte das árvores realiza-se habitualmente na Páscoa e a construção 15 a 30 dias antes do dia da Capeia local.

Em alguns casos, o forcão serve para diversos anos ou várias capeias. Basta reparar as galhas partidas ou soltas.